As paredes de madeira abafavam
parcialmente o som que penetrava pelas frestas das tábuas do celeiro,
fazendo-se ouvir ao largo um trator que passava vagarosamente, quebrando o
silêncio da manhã que acabava de nascer. Os animais já se agitavam conforme o
céu começava a tomar tons de azul e violeta, quebrando a escuridão de uma
madrugada fria que havia passado dando lugar a uma manhã que anunciava um dia
quente devido à falta das nuvens no céu.
Da porta do celeiro se via a silhueta
de um animal de aparência saudável e viril, um cavalo jovem que transbordava energia,
já com a cela posta, e que se exibia preparado para um longo dia de trabalho
que o aguardava. Ao seu lado, com o cabresto nas mãos, uma jovem de 20 e poucos
anos terminava de arriar o animal e pôs-se a montá-lo com determinação e
firmeza, e o cavalgou porta a fora do celeiro em velocidade e demonstrava conforto
com sua montaria. Já iluminada pelos primeiros raios de sol, podia-se ver que
se tratava de uma jovem oficial da Força Aérea Mineira.
Emanuelle cavalgou ao encontro do
trator que ia ao rumo do sol que nascia, vagarosamente, rebocando uma
carroceria vazia em direção a um imenso laranjal que acompanhava a linha do horizonte
com suas laranjeiras carregadas de laranjas do tamanho de uma bola de handebol.
A plantação se estendia até se perder de vista por trás de uma colina. Mais ao
leste há aproximadamente 1500 metros, havia um campo de postes de energia
eólica que começavam a exibir suas hélices ao nascer do dia. Elas giravam em um
hipnótico movimento constante devido aos ventos que soprava sobre aquela
região.
Ao se posicionar com seu cavalo ao
lado esquerdo do trator, o veículo parou. A jovem amazona fez um aceno com a
cabeça segurando a ponta da aba do chapéu representando um bom dia. A porta se
abriu e a mulher que dirigia a máquina lançou um olhar repreensivo à jovem com
um sorriso de canto de boca.
- Sabe, vou precisar de uma mãozinha na colheita hoje. Seu
irmão não voltou para casa ontem.
Emanuelle fez que não houvesse
entendido a indireta, e o barulho do motor que ainda funcionava convenientemente
serviu de desculpa para encurtar o assunto e com a mesma saudação com a cabeça
saiu cavalgando enquanto respondia por cima dos ombros.
- Se eu ver Fabrício na base peço para que venha ajudar a
senhora.
A senhora Carmem sabia que sua
tentativa era em vão e que naquele dia seria impossível competir a presença da
filha com o desfile da independência de Minas Gerais.
O dia era 22 de abril de 2092, feriado
nacional. A pequena cidade de Aprecó era transportada de volta a 2005 pelo
ambiente criado pelos trajes tradicionais de botas e chapéus, pelos veículos
movidos a combustível que as pessoas tiravam das garagens neste dia, pelos
cavalos que circulavam pelas ruas e pelo agradável aroma de comida tradicional trazido
pelo festival gastronômico da praça central.
Emanuelle cavalgou por 48 minutos
e só parou por ordem do guarda em serviço que quando percebeu quem montava o
cavalo, foi logo se desculpando e liberando a entrada no portão principal da
base aérea.
- Bom dia senhora, quase não a
reconheci com o cavalo.
Emanuelle que costumava ser indiferente
com seus subordinados esboçou um ar de simpatia em sua resposta.
- O disfarce se chama Ano-luz.
O guarda prestou continência ao
vazio enquanto Emanuelle cavalgava portão adentro em direção ao prédio
principal da base onde, como de costume, se reuniria com os outros oficiais
antes da decolagem das unidades aéreas que se apresentariam no desfile na
capital.
A base aérea de Aprecó foi
fundamental para a batalha da independência de Minas Gerais, alimentando as
linhas de frente paulistas com abastecimento e recarga de munição, e é uma das
principais bases aéreas do país, sendo a principal da região sul. Portanto, é a
base responsável pelo envio dos caças F-20 usados nas batalhas da Independência
de 2042 para uma breve demonstração de manobras aéreas no desfile cívico de
Belo Horizonte, que está no alcance da base em menos de 5 minutos de voo.
Emanuelle amarrou Ano-luz , à
direita de onde ficavam os hangares num estábulo improvisado sob uma parreira
onde já havia outros dois cavalos que ela nunca tinha visto. Provavelmente
seriam dos filhos do Brigadeiro Luiz Costa. Ela se encaminhava para a cápsula
do elevador quando fora abordada por Gil.
- Bom dia comandante! Sua unidade já está pronta para
decolagem no hangar 42.
Sem parar seu caminhar apressado,
e olhando para frente ela respondia.
-Obrigada Gilberto. Informe ao restante dos pilotos para que
estejam prontos ao tocar a sirene.
Gil continuou enquanto ela entrava o elevador e subia ao
quinto andar.
- Positivo comandante, alertá-los-ei.
Ao chegar no quinto andar, Emanuelle se dirigiu à sua sala,
aproximou o olho direito ao leitor e num estalo a porta se destrancou e ela a
empurrou totalmente aberta enquanto as luzes automáticas se acendiam e os vidros
escuros se tornavam transparente revelando aos poucos a pista de decolagem que
se estendia de esquerda para direita de sua janela por 2 quilômetros lá fora. Os
hangares estavam em frente ao prédio principal e eram 42. Sua numeração era
visível na parte de trás de cada galpão de 30 metros de largura e comprimento
por 15 metros de altura. Além da pista de decolagem e pouso, havia também 5
portos de decolagem vertical com os VTO-23 chegando e saindo a todo momento,
transportando passageiros.
Emanuelle pegou a caneca de café que acabara de ser
preparada automaticamente com sua chegada, e apreciou esta vista por alguns minutos
entre goles longos de seu café. Deu as costas para as janelas e abriu a gaveta
de sua mesa, pegou uma pasta de documentos e uma caixa de fósforos e a colocou
no bolso de seu uniforme de voo.
Ela já se dirigia de volta ao elevador para retornar ao
pátio da base quando o telefone de sua mesa toca. Ela para na porta, considera
a possibilidade de ignorar a chamada e prosseguir, porém muda de ideia e se
dirige ao telefone e atende a chamada, em pé ao lado da mesa enquanto encara a
superfície interativa de vidro da mesa aguardando o rosto que aparecerá na
vídeo chamada.
- Alô?
Sua expressão facial muda, e por instantes fica estática
enquanto ouve a informação que lhe é passada. Seu olhar se fixa em um ponto
infinito no horizonte quando a ligação termina. Emanuelle parecia perturbada
com a ligação, por alguns segundos somente. Ela respira fundo e toma seu último
gole frio de café. Sua mão ainda trêmula alcança o comunicador de seu pulso.
-Gilberto, na escuta?
-Na escuta, comandante. Prossiga.
Sentada em sua cadeira com os cotovelos apoiados na mesa e
os dedos na cabeça, calmamente ela ordena.
-Cancele as decolagens. Reúna todos os homens...
Continua.