segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Capítulo 1 - PILOTO

As paredes de madeira abafavam parcialmente o som que penetrava pelas frestas das tábuas do celeiro, fazendo-se ouvir ao largo um trator que passava vagarosamente, quebrando o silêncio da manhã que acabava de nascer. Os animais já se agitavam conforme o céu começava a tomar tons de azul e violeta, quebrando a escuridão de uma madrugada fria que havia passado dando lugar a uma manhã que anunciava um dia quente devido à falta das nuvens no céu.

Da porta do celeiro se via a silhueta de um animal de aparência saudável e viril, um cavalo jovem que transbordava energia, já com a cela posta, e que se exibia preparado para um longo dia de trabalho que o aguardava. Ao seu lado, com o cabresto nas mãos, uma jovem de 20 e poucos anos terminava de arriar o animal e pôs-se a montá-lo com determinação e firmeza, e o cavalgou porta a fora do celeiro em velocidade e demonstrava conforto com sua montaria. Já iluminada pelos primeiros raios de sol, podia-se ver que se tratava de uma jovem oficial da Força Aérea Mineira.

Emanuelle cavalgou ao encontro do trator que ia ao rumo do sol que nascia, vagarosamente, rebocando uma carroceria vazia em direção a um imenso laranjal que acompanhava a linha do horizonte com suas laranjeiras carregadas de laranjas do tamanho de uma bola de handebol. A plantação se estendia até se perder de vista por trás de uma colina. Mais ao leste há aproximadamente 1500 metros, havia um campo de postes de energia eólica que começavam a exibir suas hélices ao nascer do dia. Elas giravam em um hipnótico movimento constante devido aos ventos que soprava sobre aquela região.

Ao se posicionar com seu cavalo ao lado esquerdo do trator, o veículo parou. A jovem amazona fez um aceno com a cabeça segurando a ponta da aba do chapéu representando um bom dia. A porta se abriu e a mulher que dirigia a máquina lançou um olhar repreensivo à jovem com um sorriso de canto de boca.

- Sabe, vou precisar de uma mãozinha na colheita hoje. Seu irmão não voltou para casa ontem.

Emanuelle fez que não houvesse entendido a indireta, e o barulho do motor que ainda funcionava convenientemente serviu de desculpa para encurtar o assunto e com a mesma saudação com a cabeça saiu cavalgando enquanto respondia por cima dos ombros.

- Se eu ver Fabrício na base peço para que venha ajudar a senhora.

A senhora Carmem sabia que sua tentativa era em vão e que naquele dia seria impossível competir a presença da filha com o desfile da independência de Minas Gerais.
O dia era 22 de abril de 2092, feriado nacional. A pequena cidade de Aprecó era transportada de volta a 2005 pelo ambiente criado pelos trajes tradicionais de botas e chapéus, pelos veículos movidos a combustível que as pessoas tiravam das garagens neste dia, pelos cavalos que circulavam pelas ruas e pelo agradável aroma de comida tradicional trazido pelo festival gastronômico da praça central.

Emanuelle cavalgou por 48 minutos e só parou por ordem do guarda em serviço que quando percebeu quem montava o cavalo, foi logo se desculpando e liberando a entrada no portão principal da base aérea.

- Bom dia senhora, quase não a reconheci com o cavalo.

Emanuelle que costumava ser indiferente com seus subordinados esboçou um ar de simpatia em sua resposta.

- O disfarce se chama Ano-luz.

O guarda prestou continência ao vazio enquanto Emanuelle cavalgava portão adentro em direção ao prédio principal da base onde, como de costume, se reuniria com os outros oficiais antes da decolagem das unidades aéreas que se apresentariam no desfile na capital.

A base aérea de Aprecó foi fundamental para a batalha da independência de Minas Gerais, alimentando as linhas de frente paulistas com abastecimento e recarga de munição, e é uma das principais bases aéreas do país, sendo a principal da região sul. Portanto, é a base responsável pelo envio dos caças F-20 usados nas batalhas da Independência de 2042 para uma breve demonstração de manobras aéreas no desfile cívico de Belo Horizonte, que está no alcance da base em menos de 5 minutos de voo.

Emanuelle amarrou Ano-luz , à direita de onde ficavam os hangares num estábulo improvisado sob uma parreira onde já havia outros dois cavalos que ela nunca tinha visto. Provavelmente seriam dos filhos do Brigadeiro Luiz Costa. Ela se encaminhava para a cápsula do elevador quando fora abordada por Gil.

- Bom dia comandante! Sua unidade já está pronta para decolagem no hangar 42.

Sem parar seu caminhar apressado, e olhando para frente ela respondia.

-Obrigada Gilberto. Informe ao restante dos pilotos para que estejam prontos ao tocar a sirene.

Gil continuou enquanto ela entrava o elevador e subia ao quinto andar.

- Positivo comandante, alertá-los-ei.

Ao chegar no quinto andar, Emanuelle se dirigiu à sua sala, aproximou o olho direito ao leitor e num estalo a porta se destrancou e ela a empurrou totalmente aberta enquanto as luzes automáticas se acendiam e os vidros escuros se tornavam transparente revelando aos poucos a pista de decolagem que se estendia de esquerda para direita de sua janela por 2 quilômetros lá fora. Os hangares estavam em frente ao prédio principal e eram 42. Sua numeração era visível na parte de trás de cada galpão de 30 metros de largura e comprimento por 15 metros de altura. Além da pista de decolagem e pouso, havia também 5 portos de decolagem vertical com os VTO-23 chegando e saindo a todo momento, transportando passageiros.

Emanuelle pegou a caneca de café que acabara de ser preparada automaticamente com sua chegada, e apreciou esta vista por alguns minutos entre goles longos de seu café. Deu as costas para as janelas e abriu a gaveta de sua mesa, pegou uma pasta de documentos e uma caixa de fósforos e a colocou no bolso de seu uniforme de voo.

Ela já se dirigia de volta ao elevador para retornar ao pátio da base quando o telefone de sua mesa toca. Ela para na porta, considera a possibilidade de ignorar a chamada e prosseguir, porém muda de ideia e se dirige ao telefone e atende a chamada, em pé ao lado da mesa enquanto encara a superfície interativa de vidro da mesa aguardando o rosto que aparecerá na vídeo chamada.

- Alô?  

Sua expressão facial muda, e por instantes fica estática enquanto ouve a informação que lhe é passada. Seu olhar se fixa em um ponto infinito no horizonte quando a ligação termina. Emanuelle parecia perturbada com a ligação, por alguns segundos somente. Ela respira fundo e toma seu último gole frio de café. Sua mão ainda trêmula alcança o comunicador de seu pulso.

-Gilberto, na escuta?

-Na escuta, comandante. Prossiga.

Sentada em sua cadeira com os cotovelos apoiados na mesa e os dedos na cabeça, calmamente ela ordena.


-Cancele as decolagens. Reúna todos os homens...





Continua.